STF rejeita a tese do marco temporal para demarcar terras indígenas
6 minutos de lecturaNa prática, povos originários podem reivindicar áreas que ainda não pleiteavam quando a Constituição foi promulgada. Falta decidir como indenizar quem ocupou as terras de boa-fé e tiver que deixá-las. Por 9 a 2, STF derruba tese de marco temporal para demarcação de terras indígenas O STF – Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira (21) que é inconstitucional a tese da existência de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Foi um julgamento histórico. Mas os ministros ainda precisam estabelecer a forma de indenizar quem ocupou de boa-fé terras indígenas e vai ter que deixar o local por causa de futuras das demarcações. Os indígenas não tiraram os olhos da sessão – dentro e fora do plenário. Eles são contrários à tese do marco temporal, que estabelece que indígenas só poderiam reivindicar a posse de terras que ocupavam ou disputavam no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O julgamento começou em 2021 e foi suspenso diversas vezes. Em seu voto, ainda em 2021, o relator, Luiz Edson Fachin, votou contra o marco temporal. O ministro Kassio Nunes Marques abriu divergência. Segundo ele, a Constituição fixou um prazo para a definição de quais os espaços físicos ficariam sob uso exclusivo dos indígenas. O ministro Alexandre de Moraes propôs um meio termo. Votou contra o marco temporal, mas sugeriu ampliar as compensações praticadas hoje. Por exemplo, indenizar produtores rurais por toda a terra adquirida regularmente e de boa-fé. Essa indenização seria condicionante para demarcação. Hoje, a Constituição só permite indenizações por benfeitorias realizadas na terra. Moraes também sugeriu a possibilidade de oferecer às comunidades indígenas terras equivalentes em outras áreas do país se já existir uma ocupação consolidada. STF rejeita a tese do marco temporal para demarcar terras indígenas Jornal Nacional/ Reprodução No fim de agosto, o ministro André Mendonça seguiu a divergência de Kassio Nunes Marques e votou a favor do marco temporal. Defendeu a necessidade de prevalecer esse entendimento sob argumento de que trouxe segurança jurídica. «Não se pretende, com isso, negar os lamentáveis, e aqui registrados, acontecimentos históricos que desafortunadamente perpassaram de maneira efetiva as relações entre indígenas e não indígenas. Não se trata de negar as atrocidades cometidas. Mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro, entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura que faço do que foi o texto e a intenção do constituinte originário de trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação”, disse o ministro André Mendonça. Cristiano Zanin deu o terceiro voto contra o marco temporal: 3 a 2. E, diferentemente de Moraes, defendeu que a avaliação da indenização ocorra em um procedimento independente, sem impedir o andamento da demarcação. O ministro Luís Roberto Barroso também votou contra e apoiou a proposta de Zanin, deixando o placar em 4 a 2 contra o marco temporal. Na quarta-feira (20), na retomada do julgamento, o ministro Dias Toffoli deu o quinto voto contra o marco temporal. O ministro também defendeu que se estabeleça um prazo de 12 meses para o Congresso Nacional criar uma legislação sobre o uso de recursos naturais em territórios indígenas. Em vitória para indígenas, STF barra tese do marco temporal para demarcação de terras Nesta quinta-feira (21), o ministro Luiz Fux foi o primeiro a votar. Deu o sexto voto, que formou a maioria da Corte contra o marco temporal. Fux afirmou que o direto dos indígenas à posse das terras que tradicionalmente ocupam não se confunde com a chamada posse imemorial, ou seja, não atinge locais consolidados, como cidades. “O que se estabelece, em uma interpretação teológica-sistêmica, é que as áreas ocupadas pelos indígenas e aquelas áreas que guardam ainda uma vinculação com a ancestralidade e a tradição dos povos indígenas, ainda que não estejam demarcadas, elas têm a proteção constitucional”, afirmou o ministro Luiz Fux. Depois desse voto, houve comemoração dos indígenas que acompanhavam tudo pelo telão. A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator Edson Fachin: 7 x 2 contra o marco temporal. Carmén afirmou que a sociedade brasileira tem uma dívida impagável com os povos indígenas e que a Constituição estabeleceu expressamente os direitos fundamentais dos indígenas a qualquer tempo, sem um marco temporal. “O constituinte buscou ver o indígena com o olhar dele, indígena, e não com o seu próprio olhar de autor da lei. A dignidade do indígena não está em se espelhar e imitar o não-indígena ou sequer a outra etnia. Mas em ser igual na humanidade de ser gente, respeitada, e tendo a integridade de sua cosmo-visão garantida, assegurando-se, então, o respeito à sua dignidade étnica, a sua identidade”, disse a ministra Cármen Lúcia. O decano, ministro Gilmar Mendes, também foi contra o marco temporal. Gilmar defendeu a necessidade de indenizar previamente produtores rurais que adquiriram áreas de boa-fé, mas que venham a ser demarcadas, e seguiu Dias Toffoli sobre a necessidade de regulamentar a exploração de recursos naturais em territórios indígenas, para que os indígenas sejam independentes e tutores de seus destinos. “É claro que se há de fazer dentro de contextos gerais, mas me desperta muita curiosidade o fato de até hoje não se ter autorizado a exploração que os libertaria, libertaria os indígenas dessa dependência do próprio Estado e, talvez, dessas ONGs. Nós estamos cansados de ver mundo afora que se faz exploração de riquezas sem danos ou com contenção de danos ao meio ambiente. A mim me parece que há uma concepção segunda a qual os índios ficam com direito a bastante terra. O direito também de viverem empobrecidos nesse país rico. Mas isto é opção deles ou é a opção desses que se arvoraram em tutores?”, questionou o ministro. A presidente da Corte, Rosa Weber, deu o nono voto contra o marco temporal. “Uma coisa para mim é absolutamente certa: a conclusão é de que as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, segundo a Constituição, guardam pertinência com as formas tradicionais de ocupação, e não com posse imemorial. E com relação a isso, não vejo qualquer discrepância”, disse a ministra. Depois de onze sessões, o julgamento chegou a 9 votos a 2 contra a tese do marco temporal. Falta agora o plenário chegar a um consenso sobre como serão as possíveis indenizações em caso de demarcação. A decisão final do STF terá a repercussão geral. Ou seja, vai ter que ser seguida por toda Justiça. Pelo menos 226 processos em instâncias inferiores aguardam o resultado do julgamento. A Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária disse que o resultado do julgamento traz insegurança e que espera que o Congresso Nacional legisle sobre o assunto para restabelecer a segurança jurídica. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que participava de um encontro na ONU, comemorou o resultado do julgamento. “Foram tantos anos de muitas lutas, muitas mobilizações, muita apreensão para este resultado, porque, sim, um resultado que define o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil», celebrou. MAIS SOBRE O MARCO TEMPORAL: ‘Precisamos nos preparar para próximo desafio’, diz cacique Raoni ‘Maior vitória desde quando o não-indígena tomou as terras’, diz líder de povo Xokleng, origem da votação do marco temporal ‘Marco temporal é um fantasma que assolou as aldeias e foi pretexto para muita violência’, diz Ailton KrenakFuentes BR