Aprovação no Senado de PEC que limita decisões individuais de magistrados provoca reações de ministros do STF
6 minutos de lecturaO presidente da Suprema Corte, Luís Roberto Barroso, dedicou a abertura da sessão desta quinta (23) à decisão do Senado. Em seguida, o ministro mais antigo da corte, Gilmar Mendes, também comentou a decisão.
A aprovação pelo Senado, nesta quarta-feira (22), de uma proposta de emenda à constituição que limita decisões individuais de magistrados provocou reações de ministros do Supremo Tribunal Federal.
O presidente da Suprema Corte, Luís Roberto Barroso, dedicou a abertura da sessão à decisão do Senado. O texto aprovado nesta quarta-feira (22) teve uma margem folgada de votos – 52 a 18 -, e teve o apoio inclusive de governistas.
A proposta proíbe decisão monocrática – de um único juiz ou ministro de corte superior – que suspenda a eficácia de leis ou atos dos presidentes da República, da Câmara e do Senado. No texto, há uma exceção: o presidente da corte poderá suspender leis em casos de «grave urgência ou perigo de dano irreparável» quando o tribunal estiver em recesso.
Após o retorno do recesso, a decisão precisará ser confirmada pela maioria dos magistrados dentro de 30 dias. Se não for confirmada, perderá a validade.
No fim do ano passado, o próprio Supremo já tinha decidido que decisões individuais teriam que ser levadas ao colegiado em casos urgentes, como prisões, afastamento do cargo ou que envolvam políticas de governo.
Nesta quinta, Luís Roberto Barroso leu uma declaração em nome da corte. Ele afirmou que a Constituição brasileira é abrangente, que boa parte das questões nacionais chega ao Supremo e o Supremo deve interpretar a Constituição corretamente, mesmo que as decisões desagradem.
«É inevitável que o Supremo desagrade segmentos políticos, econômicos e sociais importantes, porque ao tribunal não é dado recusar-se a julgar questões difíceis e controvertidas. Tribunais independentes e que atuam com coragem moral não disputam torneios de simpatia. Interpretar a Constituição é fazer a coisa certa, mesmo quando haja insatisfações, porque assim é. Não há institucionalidade que resista, se cada setor que se sentir contrariado por decisões do tribunal quiser mudar a estrutura e funcionamento da corte. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, afirmou.
O presidente do Supremo afirmou que tem enorme consideração pelo Senado, mas disse que a proposta aprovada nesta quarta não é necessária, até porque o próprio STF já realizou mudanças no seu regimento interno.
«O Senado Federal e seus integrantes merecem toda a consideração institucional do Supremo Tribunal Federal e, naturalmente, merecem respeito as deliberações daquela casa legislativa. Porém, a vida democrática é feita do debate público constante e do diálogo institucional em busca de soluções que sejam boas para o país e que possam transcender as circunstâncias particulares de cada momento. Nesse espírito de diálogo institucional, o Supremo Tribunal Federal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras do seu funcionamento. Em um país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática, que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federal. Até porque as mudanças sugeridas já foram acudidas em sua maior parte por alterações recentes do próprio regimento do Supremo. Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o negacionismo em relação à pandemia, salvando milhares de vidas», defendeu.
O ministro mais antigo da corte, Gilmar Mendes, lembrou que outra proposta de emenda constitucional sobre o tema já tinha sido rejeitada pelo Congresso em 2020 e ressaltou a importância da separação dos poderes:
«Atenta contra a Constituição qualquer atitude do Poder Legislativo que vulnere o postulado da separação de poderes, em acintoso menoscabo às atribuições essenciais do Poder Judiciário, entre as quais se encontra o controle de constitucionalidade. O Poder Judiciário livre, independente e ciente do seu papel institucional é pressuposto para o adequado adimplemento dos objetivos da república».
Gilmar Mendes também afirmou que o Supremo está preparado para enfrentar medidas que classificou de inconstitucionais:
«O fato é que este Supremo Tribunal Federal, sempre atento às suas responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado – não tenho a menor dúvida – para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais agora eventualmente provenientes do Poder Legislativo. Cumpre dizê-lo com a serenidade, mas com firmeza e com o desassombro que esse tipo de investida exige de todos nós, membros desta casa multicentenária, este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações. Quanto ao seu conteúdo, a PEC 8/2021, aprovada na data de ontem, não possui em absoluto, como Vossa Excelência acaba de dizer, presidente, qualquer justificativa plausível. Notadamente, em face das alterações regimentais realizadas por este tribunal».
O ministro Alexandre de Moraes, que é presidente do TSE, disse que o debate para aprimorar as instituições faz parte da democracia e é sempre bem-vindo, mas lembrou que a independência entre os poderes é garantida na Constituição:
«A Constituição garantiu a independência do Poder Judiciário, proibindo qualquer alteração constitucional que desrespeite essa independência e a separação de poderes. E tenho absoluta certeza que essa corte, sob a presidência de Vossa Excelência, demonstrará coragem na defesa dessa principal garantia do Poder Judiciário – não em favor do Supremo Tribunal Federal ou em favor dos juízes e juízas -, mas a principal garantia do Poder Judiciário em defesa da sociedade – de todos os brasileiros, de todas as brasileiras -, que é a independência de seus juízes».
No começo da noite, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD, respondeu às críticas dos ministros. Ele começou explicando a PEC aprovada nesta quarta:
«O que nós fizemos ontem no Senado foi garantir que uma lei concebida pelos representantes do povo, nas duas casas do Poder Legislativo, Câmara dos Deputados e Senado Federal, após passar por comissões, por amplo debate, ouvindo-se a sociedade, abordagem de plenário e aprovação de plenário, sancionada por um presidente da república, que esta lei só possa ser declarada inconstitucional pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal».
Pacheco afirmou que a aprovação não foi motivada por enfrentamento ou retaliação ao Supremo:
«Eu não admito que se queira politizar e gerar um problema institucional em torno de um tema que foi debatido com a maior clareza possível, que não constitui nenhum tipo de enfrentamento, nenhum tipo de retaliação – e nós jamais nos permitiríamos fazer isso. É algo puramente técnico, de aprimoramento da Justiça do nosso país, que vai ao encontro de um princípio constitucional que deveria ser aplicado no Brasil e que não é».
Rodrigo Pacheco afirmou que o Supremo é guardião da Constituição, mas que cabe à colegialidade dos ministros fazer a interpretação:
«Quero dizer aqui que ninguém e nenhuma instituição tem o monopólio da defesa da democracia do Brasil, porque, aqui desse púlpito do plenário do Senado Federal, eu, como presidente, defendi o Supremo Tribunal Federal, defendi a Justiça Eleitoral, defendi a urnas eletrônicas, defendi os ministros do Supremo Tribunal Federal, defendi a democracia do nosso país. Repeli em todos os momentos as arguições antidemocráticas, inclusive a que substanciou o 8 de janeiro com os ataques que nós sofremos. Estivemos unidos nesse propósito, mas isso não significa que as instituições sejam imutáveis ou sejam intocáveis em razão de suas atribuições. Por mais importância que tenha como ministro do Supremo Tribunal Federal, não se sobrepõe ao Congresso Nacional, não se sobrepõe ao presidente da república e não se sobrepõe ao colegiado de sua própria casa. Eu reconheço que a inconstitucionalidade é atribuição do Supremo Tribunal Federal, que é a casa guardiã da Constituição Federal, mas isso se dá por um critério que já existe há muito tempo e que deveria ser respeitado, e que é ratificado nessa emenda constitucional, que é o critério da maioria absoluta de seus membros, o que privilegia a colegialidade do Supremo Tribunal Federal».
Para ser incluída na Constituição, a PEC ainda precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados em dois turnos. Para passar, são necessários os votos de 3/5 do total de deputados – ou seja, pelo menos 308 votos dos 513 integrantes da Câmara.