O mercado brasileiro de tokenização de ativos reais (RWA, na sigla em inglês) exibe casos de uso únicos, especialmente quando comparado aos Estados Unidos. Fabrício Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin (MB), conversou com o Cointelegraph Brasil durante sua participação no Rio Innovation Week sobre o que torna o Brasil único nesse setor.

Demanda dos investidores

Uma das principais diferenças entre os mercados brasileiro e estadunidense de criptoativos é a postura dos reguladores. Enquanto o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil se mostram abertos à inovação, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) investe contra as empresas do setor, limitando o crescimento do ecossistema.

Embora o entendimento dos reguladores brasileiros tenha um papel importante, Tota avalia que esse não é o único fator por trás da diversidade no setor de RWA no Brasil.

“O que fez esse mercado crescer aqui no país foi nossa estrutura do mercado de capitais e o apetite do próprio investidor. O investidor brasileiro tem, historicamente, apetite por títulos da renda fixa, devido aos juros altos no Brasil. […] Um exemplo são os fundos imobiliários que, embora sejam investimentos de renda variável, têm características de ativos de renda fixa, e eles explodiram em popularidade”, explica Tota.

Por ser semelhante a uma forma de diversificação de investimentos que os brasileiros entendem, os tokens de RWA tiveram espaço para crescer no país. O interesse dos investidores, então, foi o que chamou a atenção do regulador e iniciou esse ecossistema no país.

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Adaptando os serviços

O setor de prestação de serviços com ativos digitais é, atualmente, muito competitivo. No Brasil, gigantes do ramo das finanças tradicionais, como Nubank, PicPay e Mercado Pago, tiraram parte do mercado que era dominado por exchanges.

Tota conta que, desde 2019, o MB antecipou que isso aconteceria. Os tokens de precatório emitidos pela empresa naquele ano, surgiram dessa leitura, e se tornaram a primeira iniciativa de tokenização de ativos reais no Brasil.

“À época, tínhamos um milhão de clientes, mas em pleno ciclo de baixa. E aí surgiu a dúvida: o que eu faço com esses clientes? Não dava para ficar torcendo pela alta do Bitcoin. Enquanto a gente se preparava para outra alta, listando mais ativos, também nos preparávamos para outro momento como empresa, diversificando serviços sem sair do mesmo ambiente”, conta Tota.

O modelo que serviu de base para as iniciativas do Mercado Bitcoin Digital Assets, hoje MB Tokens, foi a tokenização de valores mobiliários que estava nascendo entre 2018 e 2019, conta o diretor de novos negócios do MB.

“A diferença é que não achávamos que os investidores teriam interesse em tokens de valores mobiliários. Por isso, começamos com os tokens de precatórios, depois cotas de consórcio”, acrescenta.

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Pouca atenção internacional

O tema dos RWA cresceu consideravelmente em relevância em 2023. Dados do rwa.xyz apontam que o total tokenizado nos Estados Unidos saltou de US$ 113 milhões para US$ 665 milhões neste ano.

Considerando estes dados, o Brasil se apresenta como pioneiro no ramo de tokenização, já que as primeiras iniciativas do setor surgiram em 2019, e a CVM discute a criação de seu sandbox regulatório desde 2020.

Mesmo assim, players internacionais ainda não dão tanta atenção para os casos de uso aplicados no Brasil, conta Tota.

“Quando você vai lá para fora e conta a história, que, desde 2019, a gente já distribuiu US$ 75 milhões em tokens, as empresas ficam surpresas. E aí eles perguntam se são títulos públicos, e explicamos que são ativos mais exóticos. Lá fora, eles começam com títulos públicos porque, dentre outros motivos, é mais simples de começar. Aqui a gente começou com precatórios, é muito diferente.”

O diretor de novos negócios do MB ressalta, contudo, que o Brasil ainda pode ocupar um espaço relevante no mercado global de RWA. Além do espaço como prestadores de infraestrutura, o país pode se tornar uma região forte na originação de ativos para tokenização.

Outro fator que pode ajudar o mercado brasileiro a conquistar mais espaço no setor global de tokenização é o número de empresas que estão atuando nesse mercado.

“A gente consegue mostrar que não é só o MB, como um cavaleiro solitário, que está atuando nesse mercado. Temos diversas empresas explorando tokenização de ativos reais, com o regulador dando suporte, principalmente com a sua CBDC. Já existe um ambiente de negócios propício e conversas com o regulador, que são duas coisas muito importantes.”

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Drex e a ‘Caixa de Pandora’

O Drex, estrutura do Banco Central pensada para a tokenização da economia, pode impulsionar ainda mais a diversidade de ativos tokenizados no Brasil, aponta Tota. Os novos casos de uso surgirão de categorias que ainda não são otimizadas.

“Por exemplo, se você conversa com um banco de primeira linha no Brasil sobre crédito e comenta sobre uma empresa querendo levantar uma grana, se for menos do que US$ 30 milhões, nem vão olhar na sua cara. A estrutura do banco não comporta, e não dá pra parar e fazer”, diz o executivo do MB.

Embora ainda dependa de um arcabouço tecnológico e regulatório, obtenção de crédito mais barato pode buscar na tokenização, tanto na originação quanto na distribuição, um espaço relevante.

“A grande ‘Caixa de Pandora’ que o Drex pode abrir é a expansão do crédito mais barato. Esse é um dos grandes benefícios que podemos ter, mas claro, há uma caminhada enorme até lá. Precisamos encontrar as categorias, precisamos combinar com outras indústrias, essas indústrias precisam enxergar valor na tokenização dos certificados de posse. É uma jornada, mas a chancela do Banco Central com o Drex é um anabolizante para esse ambiente”, conclui o diretor de novos negócios do MB.